sábado, julho 06, 2024


Os amantes apodrecem como fruta
mordidos abertos desfeitos uns pelos outros 
por insectos pelo sol, em quartos suspensos 
ao lado de igrejas entaipadas,
deixando nos muros esses hieróglifos 
próprios de seres que tresandam
a uma vida secreta, recordam-nos assim
como a beleza foi um susto, agora
que antigas idades nos rechaçam e também 
como mesmo o olhar é um gesto da carne,
como alguém se lança e pela atenção 
se vê mudado, um gole, um de muitos 
e assim prova a medida e o gosto de outro,
e por isso tantas mulheres acabaram
por desfazer-se do enredo traindo a paixão
afinando gestos frios, oferecendo o corpo
sem especial vontade, para que outra 
música viesse, escapavam-se
dizendo mal o próprio nome,
cobrando um preço, aleatório às vezes
e as que se atrevem sabem o exacto peso
de um sorriso, de um olhar que se detém 
quebrando a paz, dessas variações
e tumultos, que um convite, um gesto basta
para que a tensão extrema da corda
a faça cantar ou romper com a vida anterior, 
uma carta e lá vai algum miúdo com ânsia
de perder-se por “caminhos de sirga
invadidos pela sarça e pela hortelã”.
Com essa letra que se ri nas bainhas
da História, o desejo vinca a sua geografia,
esses signos, imagens nocturnas,
tudo o que ganha radiância mal
nos afastamos do idioma,
quando somos absorvidos pela trama
de quem nos tocou um par de vezes
e com isso recompôs para sempre
o perfume do que perseguimos mal
cerramos os olhos.


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