quarta-feira, abril 24, 2024


Existiam mundos, diz-me ele,
infinitamente vastos e povoados
e podem ainda espreitar-se por vezes
num tremor de água fria, ouve-se
o choro de antigas culturas 
depois do frio e do medo 
ascende o fogo entrecortado, as mãos 
crescem entre reflexos
regressa a mesma doçura às tuas
mãos inconscientes
e sobre a mesa essa aspa,
seta amadurecida na carne de outro,
alguns objectos fazem-se selvagens
pelo uso que lhes damos,
por isso só peço o tédio 
de modo a alcançar a simplicidade
que nos faz tremer diante de nós próprios
nem há espelho que copie
certos traços, cicatrizes que conservam
o mesmo brilho que se crava na pupila
e tens por sorte essa dor que faz de ti um
bicho atento, bebendo
o rastro da lua nas ervas, escutas 
os ritmos das aranhas ébrias
restituindo uma luz secreta à vida,
as lascas de mármore, tudo se converte
em osso, e eu também estou
entre os que se perguntam
como e quando, não peço já 
essas flores comedoras de antigos sóis 
mas um gole de água fresca
os passos daqueles que atravessam
essas noites feridas por mil vozes
e recordam as canções de água salgada
que inspiravam Lezama Lima
do resto falarão os anjos


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