quinta-feira, julho 07, 2022


De um espelho muito sujo onde se lê
o fim de tudo, mesmo da terra e do assombro,
dos verões em que aprendemos a rodear
a carne, quando da morte nem uma suspeita
tínhamos, é desse espelho agora
que sopras o pó e a flor dele já renasce,
zumbe e ordena as coisas que vi mais azuis
subtilezas mal negociadas, essa graça
de se esbanjar, pródigo como qualquer
criminoso, amando com horror
tudo o que me falta causa sufoco
e eu roubo, acabo com ossos a mais,
levo comigo para a cova
esboços de tantas almas, e vou ouvindo
o relato de como será a minha vez,
eu descerei a assobiar 
com aquele estremecimento que se sente
quando a lua desce aos infernos.
Névoa e alento, ando por aí e vejo como
uma estação bem antiga deixou escondida
a herança aos que cantam
e gostam de procurar,
para que queimem a boca no escuro,
persistam de volta dos corpos esmerilados 
pelo tempo, basta ver 
como é subtil o ouro que lhes treme
nas mãos, e vão pelos campos
a roubar interjeições,
achando de novo como Lezama Lima
a flecha grega que odiava as entranhas
de tudo o que havia atravessado,
mantinha assim vivo o seu assobio, e vão
como ela as vozes e eles logo atrás 
derramados, tropeçando
quebrando a ânfora onde uma abelha dorme,
e aprendem outra vez como paira
e pinta o ar, como parece a jóia
que pesa sobre o fio que o vento arrasta
desde o laranjal.


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