sábado, abril 30, 2022


Cheira-me o nome de perto
antes que o corpo esmoreça entre o que se diz,
essas mãozinhas por fora das indecências,
assim como a luz lida por estes dias
apodrece, e esperam que a morte
tenha a noção do que nos faz e se arrependa,
na luz reservada que atinge a sua última vida,
essas notas finais, urgentes,
se lhes passa até pela cabeça, ó Grabato,
vender a baleia em latas de conserva,
tinhas de estar vivo para testemunhar hoje
a falta de tomates que há nesta estação,
como estamos imersos no bafo de peitos secos,
olhares incapazes de empurrar as nuvens,
falta-lhes o receio autêntico, o pavor
uma tempestade que os persiga por dias,
e a polpa, o eco mais visceral
quebrar na boca gritos impossíveis,
trazer a voz alterada de tudo o que se viu,
alcançando a mágica que descobriram esses
que lançaram a corda a uma estrela
com a intenção de se enforcarem,
ver os signos turvarem-se, escutar a doce
etimologia que embala os bêbados,
aquele sussurro onde os mares se encolhem,
levar o rosto às coisas, roçar como um náufrago
os nós todos sobre a mesa, e em volta
esta solidão sem flores nem luz,
estar quieto sem deixar de sentir o tumulto
em tudo, como em tudo o que por necessidade
existe a beleza se mostra, difícil, rude,
apreciando a acalmia, recuperando o fôlego,
como recolhidos debaixo da mesa,
os rouxinóis fazem daquilo um convento,
como então o espírito se deleita
debruçado para o musgo ou para um livro
fartando-se de virar a chávena de café, de si
para si mesmo, e a sensação de que nada
nesta vida arrefece, e ela
belisca-nos, puxa, revira tudo,
que lástima e que encanto, expostos a assaltos
de cenas antigas, de dramas havidos
há séculos, e há ainda tudo isso
com que as sombras se põem a gozar,
tanto que à luz escapa, à mais viva
e detalhada, uma música que apenas
se pressente, um tremor nas mãos
que nos derruba a chávena, 
lá se vai outra toalha, os papéis molhados,
as impressões de uma aurora deslocada
esquissos de outras flores agora ilegíveis,
se o empregado trouxesse enfim as laranjas,
algo que brilhe aqui,
que segure por um pouco de tempo mais
este concerto para uma mão decepada.


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