quarta-feira, outubro 13, 2021


Vem e junta o rosto às coisas de que sei
a gota de treva a desenhar-te a ruga mais perfeita
e mais que os brincos, os reflexos na voz
o vestido cansado ou a língua em que o digo
e te debruças tu a embebedar o pássaro,
raspando do trino o seu eco inflamável,
o que nessa sílaba seca resta das estrelas.
Oiço-te trancar a porta da rua, vejo os gestos 
perderem-se sabendo como o escuro
aquece a imaginação. Por isso afastas a luz,
e somos afastados os dois deste mundo.
A essas horas, deitados no pó, ouvimos
a intriga que nos teve a apodrecer ainda,
doce como a fruteira sobre a mesa,
já sem o menor poder sobre as marés.
O que outrora odiei, agora tem a sua graça.
Hoje somos mais do tear e da roca,
e eu prefiro tocar os gomos das videiras,
senti-los crescer sob os rebentos
ao descansar os dedos no papel de parede,
prefiro pesar os sons, buscar um osso oco
que soe vivo no meio dos outros, algum soluço
que nos lembre para que serve a boca,
capaz de separar o corpo em tantas partes, 
para forçar depois a língua contra os dentes
soltando um nome fresco onde possa enfim
adormecer inteiro, enquanto o sentido disto
se balança na gaiola escutando como a chuva
lá fora teima no seu delírio cheia de razão.

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