quarta-feira, junho 23, 2021


É a sombra que se fixa num quarto,
um balanço triturado, o pó 
a desenhar flores raras.
Sofrem de irrealidade essas mãos
e o tempo já não se incomoda por sua causa.
Tens a argila e o fogo, a floresta que se apaga
e os contornos que ainda tremem,
persistindo em remendar a luz.
E depois das imagens de como o vento
levantava o mar em grandes navios,
apenas um ritmo tardio,
único sobrevivente do naufrágio.
O olhar ocupa-se de migalhas, 
lê a sintaxe dos insectos, outros trilhos, 
a via de regresso marcada pela flor de crisântemo. 
Noutra divisão, dizes ouvir acordeonistas,
canções francesas, o escorrer
da água do banho dela.
Que outro acaso, além destes, ainda te escuta?
Chegou o tempo sórdido e falso de que os velhos
tanto falavam, um tempo
sem paciência para o doce sonhador que foste
apaixonado pela entomologia.
É preciso não ter mais nada.
Andar com a faca à volta das articulações
para desmembrá-lo, arrancar um verso
à margem do que poderiam pintar.
Anterior a isto, a qualquer nome,
esse tremor íntimo das coisas.
A alvorada ficará mais adiante, destecida.
Não tens nada mais que possas dar-lhe
além da extensão do anoitecer.
Que o anjo que venha agora coma as moscas.

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