quarta-feira, setembro 09, 2020


Quis ouvir por fim o quebrar
das coisas que estavam já perdidas
saber de outros aquilo que fez
como a beleza deu cabo de nós
tantas vezes só de se insinuar
os anos derivam ébrios mal deixam
o que recordar, sei só das juras
que fez, e traiu, que decorou versos,
despiu-se, chamou da cozinha
como se inventasse a tarde
e desde o início algum jardim
estreito, esquivo, no gesto suave
de servir o chá, e agora que queres
se me oiço, alto, torres caindo
monge insano de roda de um sino
pareço tombado no seu interior
flor de tinta derramada
desbravando novos tons de negro
o escuro e aquilo que sabe
um corpo imprimindo a sua letra
preso na cela dos seus contornos
tal como um pássaro se debate
ainda e muito depois de morto
a afundar-se em si mesmo
enquanto formigas devoram o céu
a sombra se separa da terra
e aquela boca não tem já
outro sentido que possa beijar
só um dedo persiste esquecido 
nota ferida de um órgão de igreja
contando alto os passos, e vejo
como o caminho vem, se deixa tomar
num cerco que os bichos cantam
a noite volta, vagueia aquerôntica
num vigor de envelhecida praga
e num rumor se ergue o pó soprado 
de um soneto, o que a carne diria
ao mármore se pudesse fazer vasos
com o tempo, mas não ficam senão
palavras sem peso, vagas, frias
como uma luz estúpida e baça
formando essa cobra, com a pele
misturada ao próprio rastro
sons de fundo, o coração arrastado
desmanchando-se contra as pedras.

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