segunda-feira, agosto 10, 2020


Queres ver apenas o que me zango e quanto, ris,
quase imploras antes de me descobrires o flanco,
trespassando-o no jeito de quem esmaga flores
na fechadura para perfumar um quarto trancado
fingir que se dá voltas a uma chave
torturando quem lá está dentro com memórias
jardins há muito remotos, impossíveis
e isto porque queres saber que infernos puxo,
que velas armo, de que tempestades me sirvo,
se sou tão mau como dizem, bruxo, sem freio,
insano, cruel e tanto, obsceno, vulgaríssimo,
com que nomes e insultos calei os anjos,
lhes cozia os ovos, quebrando-os no joelho,
meu ser de tantas cabeças, bocarras, dentes mil,
e que venenos, mulheres absurdas de volta,
noites em cacos, tudo puxando as cordas
como se lhes fugisse o mundo, e prendessem
mais à frente já exausta essa criatura voluptuosa,
abalando e sacudindo uns restos da antiguidade,
caindo do céu o estuque, fundidas as lâmpadas
demorando até que visse o que fiz, e alto
gozando-me o escuro, esse cerco espantado
que em breve me faria prisioneiro e queres ainda
ver se me explico, me arrependo e que remorso
agora se afina se então como dantes tomei
notas com os ventos, lhes rasguei o ventre,
e revirando as entranhas me aconselhei,
mais alguma coisa se há-de ouvir ainda,
esperas: mais que soluços, volto-te o juízo,
meu ruído metido no que sentes, pragas
mínimas, longes ritmos miados, pingantes,
a mosca que te apalpe, tudo que se aproveite
e morda onde estejas doce, tudo o que de ti
possam cheirar, e se embebedem de olhar-te
personagens imundos, inofensivos afinal
mas de um horror insistente batendo palmas
para lengalengas imaginárias, em cerco
até que o corpo te enegreça e se te desfaça
nas mãos como migalhas de pão que lhes atires
para afastá-los por um momento, um alívio
enquanto te devoram, corvos, pegas que enfim
te levem os olhos, e isso que sintas então,
assim mo pediste, rindo alto um riso parecido
ao das muitas espécies tomando parte no festim,
em rixas brutais ou já desoladas pelos séculos
até que nem infimamente restem sinais de ti.

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