quarta-feira, fevereiro 19, 2020


O escritor olha à sua volta, não gosta, mais: até torce o nariz. Com alguma propriedade, vem e resmunga, logo afina, satiriza, faz troça. Nalguns o talento para a má disposição dá por si só um bico-de-obra. Coisa espantosa! Parecia que se ia fazer uma agitação. Lá em cima, as copas ficaram desertas. O passario mandou-se antecipando o pior. Mas eis que a fila à frente do autor de súbito se encurta, dão-lhe prioridade, faça favor: lá lhe cai outro prémio na tola. Acontece que, ao invés de um galo lhe nascer ali, fica ele obrigado a cantar de galo, vir para a cerimónia da sua coroação. Já sabemos como, por mais que lhe custe, ficaria muito mal fazer a fita do mal agradecido. Isso hoje não se perdoa ao artista. Assim, as galinhas tratam de orientar a gala, enchem-no de mimos, envergonham-no o mais que podem, com essa admiração-lixívia, e a paz é restaurada no galinheiro. Nestas voltas, o problema maior é o talento do drama para se disfarçar de comédia, sair por cima: quanto mais a realidade parece troçar de si mesma, mais curto fica o regime mental, a guerra parece de todo inconcebível, só o trabalho de desempacotar os fuzis, abrir fogo sobre as galinhas, o chiqueiro, a balbúrdia, e amanhã como era? Não havia ovos para o pequeno-almoço?

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