terça-feira, janeiro 07, 2020


Vou lendo e tatuando-me, sublinho, vejo-o no ar, posso até fechar os olhos, quanto mais ouço, mais vejo, o além deixa as aulas no quadro, no chão, o cósmico traduzido numa linguagem de algas e musgos, haurindo o aroma, o sentido hesitando, tacteante, pousando na boca um dedo de granito, pois o que sei fazer é isto: prodigalizar com o pouco que tenho, com esta sede toda ainda busco um abalo na gota de água, com esta fome eu sempre fiz desperdício, espalhando migalhas sobre a página, cargas de cavalaria era o que eu ambicionava, nuvens de pó imensas, articulando a expansão desse universo que sempre me fugira, livros em fontes imperdoáveis, uma doença murmurante roendo ossos antigos, em qualquer linha que pudesse traçar via logo aparecer, como manchas, navios de ferrugem, homens lidando entre o vento com o cordame, antigas vozes dando ordens novas, uma vozearia fora-de-campo, uma neblina saturada, e por fim, vinham à tona as colecções do fundo do mar... entrevíamos que mundos, ficávamos num vai-não-vai, prendendo detalhes formidáveis, o sal dos planetas, tudo quieto, correndo junto, paisagens favorecidas de gole a gole em xícaras de chá e que memórias passaram pela nossa carne, o tanto que eu quis ressuscitar ou chamar à razão o colibri que se perdera, trancado nos arquivos, tendo aprendido a ler com as flores, nos caminhos só encontrava regressos, reflexos frios, a pele engelhada da natureza, a aventura muito resumida, nas estrias, a luz meio ausente, e que dia é este que agora se alevanta, sem nem um resto de ousadia, atrevimento, apenas como esse que dá caça a alguns, num receio de ir só, antes de se matar.

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