domingo, julho 29, 2018


Desperto. Um travo dói, persiste e enreda a manhã, musical e estranha. Depois da escrita, o corpo pouco mais faz que repetir-se numa segunda língua e em má tradução. Solitário resto, cinza que se levanta a sopros curtos neste halo de ressaca. Serves a casa de canções descarnadas, sombras de vozes remendando o tempo. Contentas-te em abrir os olhos pela tarde, pela sombra. E menos pelo que vês do que pelo que sabes. A própria respiração é já uma lição de história e pelos dedos roda um copo que traz o mar inteiro a bordo. Rema a tarde devagarinho até à margem, entrando na penumbra e no exílio, e deixa a sua rosa apontada a um mundo desviado das rotas. Um pouco afastado, de leve no escuro, chega este entregue a uma sorte de afogado, como um trágico provinciano que sabe Shakespeare de memória e vagueia pela cidade, sofrendo. A noite é tanta e tão difícil de contornar, que só nos salva uma certa desmesura, misturando no álcool a razão e a dor. Desfeita a esperança, educa-se melhor uma paciência mortífera. Resta-nos ver como ela morde os outros. Como cintilam de passo em passo, roídos de beleza. Carne falida e mortal, puxando do sonho as suas raízes. E com que histórias se destroem, nesta arte alada e fluida de contar, de tomar os dias um por um e contra todos os outros. Tentar acertar com o erro neste embalo de fim de estirpe. Ando a escrevê-los, a estes poucos a quem peço chão, mais lucidez, um verso que se afunde e recrie com uma força hereditária. Mas que posso dizer que um simples olhar não entendesse melhor?

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