sexta-feira, junho 15, 2018

Os 130 anos do nascimento de Fernando Pessoa


Resposta dada a um inquérito a propósito da efeméride que, por ser extensa e, possivelmente, também inadequada, não constará do artigo de jornal que a originou, ficando-se por aqui.

Cento e trinta anos... Nem escrito por extenso parece grande coisa. E se tivesse de me fiar na sensação da parte desse tempo que me foi dada viver, arriscaria supor que nos separam dele uns quinhentos anos. De resto, não dá tanto a impressão de ser algo que se tenha passado; é mais como estar de olhos postos num futuro que se torna cada vez mais improvável. Nasceu mesmo? E português! Parece uma história dessas que nos contamos para levantar a moral, mas que dos avós para os pais foi perdendo consistência e que, ultimamente, já gasta a surpresa, nos surge abandonada a uma vaga beatitude. Diz-me que, para boa parte dos portugueses, será dos poucos poetas que conseguem identificar no século XX... Mas conseguiriam mesmo? Pelos versos muito poucos o identificariam. Talvez pelos dentes... Seria bom dizer que desde esse nascimento - ou melhor: da morte, quarenta e sete anos depois - não demos um passo. Mas o doloroso, afinal, é deitar conta aos passos desta terrível retirada. Que teria a dizer a transbordante e revoltosa intimidade desse homem a um país que tomou o seu lugar junto dos “cafres da Europa”, indo a reboque da tacanha ficção de conforto e progresso que, no fundo, significa trocar mitos por electrodomésticos? Da quantidade de gente que se descobriu quando se tratou de exumá-lo, dos desdobramentos dessa obra que hoje serve à demanda do santo graal por parte de uns arqueólogos pataqueiros, à indústria das teses académicas, quanta dessa gente estaria disposta a dar seguimento ao seu drama neste tempo? E hoje, por mais que se evoquem Pessoa e outros, a poesia não é bem uma actividade secreta mas uma obsolescência, esse resto que testemunha sobre o “país de restos de palavras” que somos. Mesmo que ambicionasse dar origem a heterónimos para suprir o vazio de ânimo, julgo que Pessoa seria acometido de um tal desconsolo hoje, como se a própria imaginação se lhe furtasse, zombando dele, os ecos do seu génio morressem prematuros, e todo o seu projecto literário mais do que ignorado, lhe parecesse uma sandice. Chegámos a um tempo em que até os sonhos dos homens são miseráveis. Assim, sabemos que a poesia só pode ser uma espécie de jangada de palavras, e os poetas mais uma das modalidades de refugiados.


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