quinta-feira, fevereiro 15, 2018


Se o que se quer é escrever correctamente poesia
não chega a sensação de se desfalecer no jardim
sob o peso concertado da alma ou seja o que for
e do célebre crepúsculo ou coisa que o valha.
O coração é pobre de vocabulário.
O seu labirinto: um jogo para atrasados mentais
em que dá vontade de rir vê-lo mover-se como um boi
um leitor integral de romances por catálogo.
Desde o momento em que chega ao rosto o violino
nem sequer a triste Valsa de Sibelius
permanece na sala que se enche de tango.

Salvo honrosas excepções as poetisas uruguaias
ainda confundem a poesia com um baile
num mórbido clube recreativo,
ou confundem-na com o sexo ou confundem-na com a morte.

Se o que se pretende é escrever correctamente poesia
seja de que jeito for há que levá-lo com calma.
Antes de tudo: sentar-se e amadurecer.
O ódio prematura à literatura
pode até dar jeito para não se passar no exército
por maricas, mas o mesmo Rimbaud
que mostrou odiá-la foi um rato de biblioteca,
e essa náusea gloriosa veio-lhe de a roer.

O xadrez é jogado
com as palavras até para uivar.
Equilíbrio instável da tinta e do sangue
que deves manter de um verso ao outro
sob pena de rasgares os papéis da alma.
Morte, loucura e sonho são outras tantas peças
de marfim e de corno ou seja o que for;
o importante é movê-las no jardim regrado
de forma a que o peão que baila com a rainha
não lhe perdoe o menor passo em falso.

Esses que insistem em chamar as coisas pelos seus nomes
como se fossem claras e simples
enchem-nas simplesmente ne novos ornamentos.
Não as expressam, giram em torno do dicionário,
tornam o idioma cada vez mais inútil,
chamam-nas pelos seus nomes e elas respondem pelos seus nomes
mas onde se despem para nós é em recantos escuros.
Discursos, orações, jogos de mesa,
todas estas coisitas em que as vamos gastando.

Se o que se quer é escrever correctamente poesia
não ficaria mal baixar um pouco o tom
sem adoptar em seu lugar um silêncio monolítico
nem se ficar por murmúrios.
É um peixe ou algo do género o que tentamos pescar,
algo vivo, rápido, que se confunde com a sombra
e não a sombra em si nem o Leviatã inteiro.
É algo que mereça ser recordado
por alguma razão semelhante a nada
mas que não é nada nem é o Leviatã inteiro,
nem exactamente um sapato nem uma dentadura postiça.

- Enrique Lihn

Sem comentários: