segunda-feira, janeiro 02, 2017


talvez te encontre numa dilacerada paisagem
onde se tenham deixado esquecidos
os despojos de uma batalha antiga
talvez te encontre incrustado de sangue
levitando um palmo acima do solo
repleto de cadáveres de peixes e de pássaros
como na manhã após um terramoto
quando a luz inunda a destruição e a cobre
de uma película fina
talvez te encontre muito magro roído até ao osso
impúbere corpo triturado pelos afiados dentes
de uma feroz besta
talvez lhe pertença não a ti o corpo
exaurido destituído de culpa e de nome
girando silenciosamente numa roda
talvez procure em ti uma máquina de guerra
e antecipe o momento em que te encontrarei
escavando fundos silêncios num estranho ofício
as tuas mãos calejadas as unhas negras
anunciando o princípio da revolta
talvez te encontre talvez ardas flamejante e puro
entre as gentes ásperas do monte
esculpindo com cuidado a pobreza
enformando por dentro na imensidão
da carne
o grito

- Beatriz de Almeida Rodrigues 
(inédito)

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