sábado, dezembro 31, 2016


Eu venho de longe, sou o das ostras e das blasfémias,
o mercador de maravilhas e dos caroços de pêssego,
o que compra a amargura dos humildes
e doce a espalha limpa como um pássaro voando...
Eu vi dos pobres a cidade dos mortos,
os plátanos ali, especados, com os homens sós
que gritavam com os pés e cuja cabeça à banda
cortava oscilando a corda nos nós do tronco,
vi os campos de erva, onde os braços calcavam
com fúria a terra, como se catarrentos
quisessem soterrar-se, ou desesperados
pôr-se de cu para aquele céu... Oh, escarpas
de fuzilados, exangues, ar de tragédia,
freixos selvagens que já não tendes céu, mendigos de que sopros!
Vi gente gotejando, em fuga em ofegante,
e aquelas sirenes, atrás, com as mãos a gritar:
foge, foge, corre!, vem por aí abaixo
uma porradeira de bombas, que metralham e ceifam,
e os rapazes que escarvam, cães como bandos de rapazes,
e mães que berram - Meninos, quem pode fugir do vento?...
Ah, se eu venho de longe... Péssima raça!
Quando penso que morrer não é nada,
que temos medos de uma sombra, que louca
é esta nossa vida, e que os homens parecem caminhar...
Caminhar? Ou é este empurrão do ar que os colhe
e os arrasta pra onde quer, para onde vão finar-se?

- Franco Loi
in Memória, Colecção poetas em Mateus
 retirado daqui

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