domingo, dezembro 11, 2016


Pode o assunto ser a literatura e os que lá andam ou a frequentaram, mas é bem óbvio que isso por si não eleva a temperatura se o discernimento não for melhor do que aquele que serve às porteiras para ir comparando notas sobre os desenvolvimentos do episódio de ontem da telenovela, então é curioso ver surgir canais literários sempre para chuchar nos mesmos nomes, rilkes coitados feitos cara da estação, uma globo defunta que distribui por triângulos amorosos e outras geometrias venais o cânone, só que, ao contrário das porteiras e do seu discreto croché, estas exigem para o rolo de carne das suas horas mortas estrelas michelin, e perdem-se logo em grandes manicuras, a elogiarem-se numa mutualidade doentia, a gabarem umas pelas outras as grandes unhas e os dentes críticos que admiram disputando o espelho, mas a fragilidade do enredo é denunciada pela catrefada de heróis para os dois ou três vilões, e estes quase sempre referidos como "aquele cujo nome não pronunciamos", dá a sensação de que com todas as associações de apoio às vítimas literárias, prémios todos os anos mais que justos, justiceiros, arqueologias que garantem um génio debaixo de cada pedra, com este balanço todo, vá-se lá saber porquê, no fim ainda se queixam do vazio crítico, de como vai tudo tão torto, depois do almoço mais um texto sobre o triunfo literário do que foi lido com a sobremesa, e logo, com a indigestão, voltam a carpir o horror das bestas desatentas, retemperados depois da sesta, ao jantar, juntam-se e exaltam-se, como se fossem matar e servir os dois ou três que lixam isto tudo, e a novela é basicamente isto, o imbróglio matemático do século, afinal como é que tantos, tão bons, depois de encherem de merda as paredes das casas e os nomes dos terríveis vilões, como é que ganham todas as batalhas e nas cartas da frente molhadas de sangue se queixam de que não há jeito de ganhar a guerra? Tão abundante amor torna tão mais doce a monogamia desse ódio.

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