terça-feira, fevereiro 09, 2016


Começo assim a “longa história”: — “Eu sou um ex-covarde”. O Marcello ouvia só e eu não parei mais de falar. Disse-lhe que, hoje, é muito difícil não ser canalha. Por toda a parte, só vemos pulhas. E nem se diga que são pobres seres anônimos, obscuros, perdidos na massa. Não. Reitores, professores, sociólogos, intelectuais de todos os tipos, jovens e velhos, mocinhas e senhoras. E também os jornais e as revistas, o rádio e a TV. Quase tudo e quase todos exalam abjeção.
Marcello interrompe: — “Somos todos abjetos?”. Acendo outro cigarro: — “Nem todos, claro”. Expliquei-lhe o óbvio, isto é, que sempre há uma meia dúzia que se salva e só Deus sabe como. “Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo.” E por que essa massa de pulhas invade a vida brasileira? Claro que não é de graça, nem por acaso.
O que existe, por trás de tamanha degradação, é o medo. Por medo, os reitores, os professores, os intelectuais são montados, fisicamente montados, pelos jovens. Diria Marcelo que estou fazendo uma caricatura até grosseira. Nem tanto, nem tanto. Mas o medo começa nos lares, e dos lares passa para a igreja, e da igreja passa para as universidades, e destas para as redações, e daí para o romance, para o teatro, para o cinema. Fomos nós que fabricamos a “Razão da Idade”. Somos autores de impostura e, por medo adquirido, aceitamos a impostura como a verdade total.

- Nelson Rodrigues  

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