sábado, novembro 21, 2015


Não dá vontade de dizer nada, mas ainda é o que se pode, esse nada. Que também magoa. Porque nos condenam e os arrastamos para a irrelevância. A cultura à mercê de uma gente que nos melhores momentos só inspira reticências. Lugares cativos, gente redonda. Tudo de uma obscenidade trivial, que faz virar a cara. Um suspiro que se farta, de não ter fim. Não haver uma mesa só neste miserável país onde dar um murro. Tudo empilhado, país verdadeiramente de restos, não já de palavras, mas balbucios, gente dependurada de gente, metidos, enfiados uns pelos outros, numa orgia sem nenhum ânimo, país que é uma imensa e triste cama, desfeita sem prazer nenhum, de gente entrevada, palco só da carne que já não se distingue, pasta processada, gente-salsicha, que servindo-se serve, num carnaval sem máscaras, de rosto descoberto, nu, lancinado, e que de tão exposto vira uma máscara, esse vazio ruinoso dos olhares trocados, engalfinhados, gente de gaiola aberta e que não sai, com as semanas rodadas nesta volta de carrossel desengonçado ao som de uma música podre de realejo, dobrando-se sobre si mesma, nauseada. Ocupação profissional: a repetição. De si mesmos, dos nomes próprios: Clara, Alexandra, Pedro, João, Ricardo: crianças num recreio fantasma. Ecos sem saída, sem bola, sem jogo, sem vida, nada. Quem os ouve? Pessoas ouvem. Das que não se ouvem já. Das que batem, entalam a vida nos dias, se calam debaixo deste barulho, nestas rotinas de programa de máquina de lavar. Afeitos ao tempo detergente. Cada volta outra semana. Esperam a vez, dizem as suas simplicidades, acabam comovidas disso mesmo, e um dia nem vão mais longe que elas, não pressentem sequer o mundo que caiu fora. Não pressentem senão o sentido da falta, uns nos outros, esse mesmo reflexo, de como não passam de um elenco secundário da novela bandalha, figuras simétricas, assistentes de uma encenação miserável. Adivinhos, ciganas, burlões de feira. Circo de aldeia, o ano inteiro. Protagonistas só voz de fundo de poço, bustos de televisão, cara de coluna de jornal. E ninguém tem forças neste país para acabar com isto, não se consegue pisar esta gente, pisá-los suficientemente, abaixo do nível do chão. Para que não mais se levantem. Levantam-se de tudo, de todas as vezes. Nos seus espíritos existe tão só esse engenho: uma mola.

2 comentários:

Luis Filipe Gomes disse...

Quase um poema! ou talvez mesmo um poema, uma Cena do Ódio dos nossos dias.

Ricardo Norte disse...

A matilha perpetua os seus grunhidos em conjunto, espetam os focinhos no mesmo lamaçal e mostram calhaus uns aos outros como se se tratassem de pepitas reluzentes. Acabei de ler um artigo da menina Campilho no Público onde se executa um malabarismo de mau gosto, entre a pseudo-erudição e a irresponsabilidade da verborreia que fala do que quer que seja com o mesmo tom e a mesma superficialidade. Explosões e rebeldia jovial, numa poesia que se pensa irreverente pela associação fácil. O modo como se dá atenção às vozes insípidas, sem atrito, onde nenhuma aridez existe, cria o caldo que nos circunda e perpétua a ilusão do bonitinho a cheirar a merda. obrigado, pela crítica e pelo combate (desonesto da parte do seu adversário).