quinta-feira, novembro 06, 2014

piquenos óleos de capri

para o Luis Manuel Gaspar

se é para ir cedo desta vida
então que primeiro se visite Capri
armado de tintas e intentos

as casas brancas arrumadas entre cactos
os caminhos amarelos
empoeirados
onde nada nem ninguém
o azul do mar cosido a umas nuvens
a uns arbustos

tudo plasmou com o zelo diarista
do pintor

madeiras empacotadas despachadas de Nápoles
como promessa
como vinhetas onde a luz recresce
lenço
enrugado manchado de sangue tossido: clarão
para futuros mostruários

eis Henrique Pousão morto aos vinte
e cinco
vítima do trabalho da beleza e de problemas
na árvore respiratória

tornou a Portugal para morrer
sem ter gozado o todo da pensão do Estado
como aluno no estrangeiro
(classe: Pintura de Paisagem)

recebeu-o o pai
e a Academia de que não teve tempo
de escapar

e no comboio em que veio as paisagens
que não pintou doeram-lhe tanto como as pintadas
a todas carpiu gorou

no fim
entre as ruelas apertadas as barreiras
pétreas
os telhados rotos os tranquilos sobrados
de Capri

no meio das figurinhas maltrapilhas postas
na frescura dos muros sobre
tufos de erva nova
das escadinhas subindo para enigmáticos
portões

ficou uma imagem só: a da ‘janela das persianas
azuis’

onde uma fiada de roupa branca ainda hoje
enxuga ao Sol

- Miguel-Manso
inédito retirado daqui

Sem comentários: