domingo, abril 27, 2014

Traduzindo Brecht


Um grande temporal
passou a tarde inteira enroscado
nos telhados antes de rebentar em relâmpagos, água.
Eu fixava versos de cimento e de vidro
onde havia gritos e chagas muradas e membros
meus também, aos quais sobrevivo. Com cautela, olhando
ora para as telhas combatidas ora para a página seca,
ouvia morrer
a palavra de um poeta ou mudar-se
numa outra, já não para nós, voz. Os oprimidos
estão oprimidos e tranquilos, os opressores falam
tranquilos ao telefone, o ódio é cortês, eu próprio
julgo já não saber de quem é a culpa.

Escreve, digo a mim mesmo, odeia
quem com doçura conduz ao nada
os homens e as mulheres que a ti se unem
e julgam não saber. Escreve o teu nome também
entre os dos inimigos. O temporal
desapareceu com ênfase. A natureza
é demasiado fraca para imitar os combates. A poesia
não muda nada. Nada é certo, mas escreve.

- Franco Fortini
(tradução de Vasco Gato)

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