terça-feira, abril 01, 2014


Que insaciável beber de uma água que tem sede.

Ángel Guinda

Deitada a garrafa, fica o peso e o som
de passos numa conta de perder,
tudo o que já me esquece ou apenas
se repete neste sangue fraco,
ansioso entre falha e vício. Canção
que me deixa desenhos no pó,
um jeito de voltar, ainda que tarde,
às melhores lembranças.
Ligar a imagem e o reflexo antes
que se anulem, antes que a manhã
reúna as sombras a um canto e nos venha
dizer em que ficámos. Descer o corpo
amanhecido, para ver gente, sentir
a rua, parando às esquinas a soletrar
grandes cartazes
, a soma de infinitos
que finge correr diante de nós.

Já há luz suficiente e mesmo assim
posso apenas suster fragmentos.
O rosto dividido e atento às sombras.
Tenho estudos, e mais: ouvi falar
longamente. Cigarros, por assim dizer,
lentos, comovidos com a paisagem.
Li tudo o que apanhei do chão nestes
suspeitos cafés tristes onde lhe recortei
a figura vezes demais: lume
entre contornos deliciados, o molde
de um tempo que sabia de música.
Muitas páginas cheiram ainda à praça
onde as tardes mais nos juntavam.
Resta um olhar sobre o olhar, uma folga

na corda, e ficar aqui tirando as horas
pelo desmancho de certos corpos,
uns restos de gente tentando em vão
defender-se com o álcool
. Presa na beira
do copo, a alma já farejando
o inferno. Ficar aqui e esconder a voz
nas mãos
, noutro caderno de restos e reflexos
apalpando o caminho à luz de pequenas
crueldades, entre goles disto e
daquilo, vagarosos cuidados ou
íntimas deserções. Isso que se impõe
contra a nossa ruína. Mesmo assim,
não deixamos de reconhecer
a secreta idiotice que reside em tudo
isto, nos jogos de palavras e biscates
líricos, neste eterno romance amoral
indo ao desvario e a tropeço pelos
versos. Pouco mais senão o escuro fixa
ainda alguma direcção ou sentido.
Candeeiros vagueando pela bruma
dão-nos uma ideia da distância a que
enfim nos tornamos anónimos.
E não há desejo mais forte que o de
esquecer o nome que nos chama
de volta a esta completa falta de razões.

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