terça-feira, fevereiro 04, 2014

Apresentação em forma de conversa


(do Catálogo de uma Exposição)


Os homens são susceptíveis de criar aranhas.
Em todos os cantos há homens em vez de aranhas; em cada homem um canto, sempre, onde nas arrumações do desespero ele pode inventar as suas aranhas.
Falar de vícios quando se leva a mão do jeito de cada um, consecutivas vezes ao mesmo sítio, é desviar o entendimento do acto de criação. E não há vícios na mão solta que se lança no esfomeado jeito de procurar as suas linhas. Entre elas uma há que dignamente atravessa a mão e diz: «procuro pelo menos que as gerações que se me sucedem, me culpem o mínimo que lhes for possível, na vergonha de tiranias a que fui obrigado a assistir». Também o sol que nos foi roubado não era artificial como este que nos vigia.

Salvar a vida não é aprender a nadar; mas é possível, ao comprometê-la, imaginando até ao amor, com o tacto apurado de quem está aprendendo a nadar, o tal jeito esfomeado de procurar as linhas, etc.

Passados os pesados troféus militares, surgem as frágeis aranhas! O chão dará de sua conta o brotar das flores do a-pesar-de-tudo.
Entretanto será difícil distinguir; o chão a ruir, ou as aranhas?
A vida é um perigo: a vida está má para os empresários de dramas alheios. A vida está má para os vendedores de aranhas!

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Depois, mas mesmo muito depois, há as prateleiras dos vícios dos literatos com pesado maxilar superior, que só nelas arrumam o que lhes convém exactamente, mas deixando sempre alguma coisa de fora, que, entalada entre os dois maxilares, lhes mantenha a bocarra aberta. Paciência! Este é o vício que eles têm de se mostrar indefesos depois de perigosos.

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Eu vou-me chegando; são horas de dar comida às minhas aranhas. 
 
- Fernando Lemos
in Cá & Lá, Imprensa Nacional

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