terça-feira, outubro 01, 2013

A Língua


... a testemunha do esquecimento da língua é a poesia

Daniel Heller-Roazen


Hei-de apreender o que o mundo é,
não a partir do começo, isso
é a impossibilidade do significado,
mas a partir daquele lugar onde
as ideias fulgurantes são o crespúsculo
e tudo o que há, como o primeiro NÃO
de uma criança alimenta o sol.



Como hoje quando falei com ela,
estarei nu, liberto
e calado. (A chuva desce
através de mim. As flores desdobram-se
como se por medo da minha fria e demorada
expressão que diz:

Sem ela eu desfar-me-ia em pedaços...)



Aguentem, está a voltar-me a memória:

Quando ela era ainda A MESMA, a outra mulher,
a irmã dela...



Para mim nós somos um só, tal
como eu devo ser esta mesmidade no
resfolegar da minha pele entre todas as folhas
dos livros através dos quais eu falo
sempre que ouço outras tempestades, pequenos
animais e a língua branca.



O nome dela é o de outra mulher.

O rosto dela, meu paraíso.

A pele dela, Deus.



Passo-o a limpo no interior de mim mesmo.



A mulher aqui a meu lado
não entende. Também eu não.



Comigo ela dorme
como se o mundo lhe fosse íntimo e curioso.

Como um pequeno animal, a língua dela
passeia no contorno da minha cara.

E quando a língua dela passa sobre os meus olhos,
lembro-me do visionário,

e de como beijava a namorada:
as pálpebras dela eram translúcidas, límpidas,

um nome intermitente...



Quando, obscuramente, estavam um dentro do outro,
o que viam eles?

Uma pequena nuvem, fria e azul?

Um nome que, carnal, podia falar do Absoluto?

O excepcional silêncio que sentiam através da escuridão,
pedras?



Noutras línguas a canção
do amor, esperança e morte é
mais solene, sinistra, algo

que no voo de um pássaro é apenas
um vislumbre, uma convincente
abstracção que eventualmente, silenciosa como as ondas,



explode.


- John Matter
in The Language

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