segunda-feira, setembro 23, 2013

Oráculos


Lembrando um poeta encerrado num asilo de Lisboa,
há três dias que digo, vou tomar o ar da manhã,
e desço à rua respirando devagar.

Percorro a cidade a pé. É verão.
Os turistas andam por óbvios lugares
a contar pedras, a reanimar a história.
O ar da manhã invade opressivos lares.
Os gatos medem perímetros de sol
onde permanecerão ociosos.
Mulheres envelhecidas e lentas
carregam pesados sacos de plástico.
Descrevo uma cidade através de indícios de corrosão,
o que o olhar ao acaso recolhe e reparte:
estuque fracturado, oxidadas caixas de correio,
portas já sem número, janelas estilhaçadas.
E quando paro e espreito, assaltam-me
imagens de abandonadas escolas de província:
delidos traços a giz sobre o negro da ardósia,
podridão de madeiras, espectros de crianças
que deponho como um sudário, pó.


- Luís Quintais
in Poesia Revisitada, 7 letras

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