quinta-feira, agosto 01, 2013


Codesto solo oggi possiami dirti,
ciò che non siamo, ciò che non vogliamo.

Eugenio Montale


Em que sítio perdido ainda escutas
os regimentos do vento, hoje ociosos?
Depois das guerras de infância, perdeu-se
o sentido das fronteiras que tanto
lutámos por fixar. Um espaço já só guiado
pelos mesmos muros gretados de flores
e de intermináveis lendas analfabetas –
ínfimo reino de uns putos ancestrais
cujos gritos já mal se ouvem. Minha vida
para sempre ancorada
nos velhos pátios,
entre as sombras que não se mudaram.
As salas de aula vazias e, de castigo,
a nossa antiga grandeza. Ainda nos
reconheço pelas vozes. Fui jovem aqui
e fiquei de voltar. Não pensei é que
o tempo fosse tornar tudo tão ridículo.

Com a carne entreaberta volto enfim,
ferido um pouco de tudo. O avesso de um
perfume
roubando a brisa. E apanho-lhe
cada pétala, cheiro a sua rosa química
para cair de volta no embalo mágico
desse gesto desequilibrado que tanto
te procurou. É uma dor certa, ordeira,
a identidade que me resta. Teu nome
sem memória já, só canção. Volto
a repeti-lo como quem se ensurdece –
prodigiosa blasfémia! – e dou por mim
a rezar a deuses escabrosos, a desfazer
em trocos a alma para te comprar
no inferno.

Para lá das grandes ideias do tempo,
sobram estas horas miúdas em que
o mundo inteiro sai sozinho, quando
de tudo resta apenas a noite e,
em terra seca, o bando doido que vem
fugido cai junto dos que ficam perdidos,
todos de roda de um mesmo leme quebrado.
Assim, a tudo o que perguntam
só respondemos que não somos daqui.
De passagem apenas, e este olhar quebrado
pousa no que tem pela frente. Um olhar
que já foi meu e hoje é apenas a funda
distância em que nos recordo e perco.
Por vezes sentir chega, e muitas vezes
a carne já não aguenta aproximações.

Não há dor na voz. Só existem os dentes,
mas dentes
que caem entre frases destruídas
e noções desajustadas. Não deixam passar
um fio de calor, um só verso com a melodia
que ouvi cá dentro. Gangrenosos delírios,
isso sim, sonhos bruscos, o cálculo de
hipóteses grotescas. E o mundo cheira
em mim um estranho, pede licença e foge.

Neste rosto fixo de vidro que me serve
de reflexo, sorrio do meu ar decapitado
entre cabeças que roçam outras estrelas,
corpos com as rédeas quebradas, que
da solidão fazem uma música espaçada,
soando docemente num lugar estranho
à sua dança. No avesso da infância,
formam uma constelação calma e
prosseguem por indecisos fins de rua
com o amanhecer a doer já nos gonzos
de outro pesadelo. É pouco? E triste,
eu acho. Talvez te lembres também
que não foi para isto que crescemos.
Não íamos só envelhecer para um dia
nos pormos a olhar para a morte
de um outro ângulo.

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