sexta-feira, agosto 16, 2013

Afastar-te-ás


Afastar-te-ás dessa cona sangrante
que primeiro se ri e depois plagia
os teus poemas       Vais tratar de esquecer
a sombra de costas que cozinha
o vulto que ronca enquanto tu
no quarto ao lado escreves
Perguntar-te-ás como foi possível
Esse maldito odor que lhe sai de entre
as pernas       A mania de lavar
os dentes a cada cinco minutos       É certo
não voltará a contar-te a mesma
estória de violações e psicanalistas
Nem há-de sair do seu relato o automóvel
paterno para se estacionar na tua
memória       (Esse mirador excepcional
do qual notavas que o carro
sempre esteve vazio)       Não mais
os filmes inacabáveis e frios       Os seus gestos
de desolação       O medo que apenas
pudeste tocar com a ponta dos dedos
Chegará um feliz dia em que te perguntarás
como eram os seus braços os seus cotovelos
ásperos       A lua brilhando
no cabelo que lhe cobre a cara
Os seus lábios que articulam em silêncio
que tudo está bem       E tudo
estará bem sem dúvida quando aceitares
a ordem dos túmulos       E te afastes
das suas longas pernas sardentas e da dor


- Roberto Bolaño
in La Universidad Desconocida, Anagrama

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