quarta-feira, agosto 21, 2013

20.


Extraviadamente
amantes, pelo mundo.
Amar! Que confusão
sem par! Quantos erros!
Beijar rostos em vez
de máscaras amadas.
Universo em equívocos:
minerais em flor,
vogando pelo céu,
sereias e corais
nas neves perpétuas,
e no fundo do mar,
constelações já
fatigadas, as desertoras
da grande noite orfã,
onde morrem os escafandristas.
Os dois. Que descaminho!
Este caminho, o outro,
aquele? Os mapas, falsos,
transtornando os rumos,
apostam que nos perdemos,
entre perigos sem farol.
Os dias e os n«beijos
andam equivocados:
não acabam onde dizem.
Mas para querer
é preciso embarcar em todos
os projectos que surgem,
sem perguntar-lhes nada,
cheios, cheios de fé
no equívoco
de ontem, de hoje, de amanhã,
que não pode faltar.
De alegria puríssima
de não atinar, de nos acharmos
em umbrais, nas margens
trémulas de victória,
sem vontade de vencer.
Com o júbilo único
de ir vivendo uma vida
inocente entre erros,
e que não quer mais
que ser, querer, querer-se
na grande altitude
de um amor que vai já
querendo-se
tão desprendidamente
d'aquilo que não é ele,
que paira já acima
de triunfos ou derrotas,
embriagado na pura
glória do seu acertar.


- Pedro Salinas
in La voz a ti debida

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