terça-feira, agosto 20, 2013

19.


Sim, tudo com excesso:
a luz, a vida, o mar!
Plural tudo, plural,
luzes, vidas, mares.
A subir, a ascender
de dezenas a centenas,
de centenas a milhares,
numa jubilosa
repetição sem fim
de teu amor, unidade.
Mesas, penas e máquinas,
tudo a multiplicar,
carícia por carícia,
abraço por vulcão.
Há que cansar os números.
Que contem sem parar,
que se embriaguem contando,
e que não saibam já
qual deles será o último:
que viver sem final!
Que um grande tropel de zeros
assalte as nossas frases
esbeltas, ao passar,
e as leve montadas.
Que rebentem as cifras,
sem poder calcular
nem o tempo nem os beijos.
E do outro lado já
dos cálculos, dos destinos,
entregarmo-nos cegamente
– excesso, quase no fim! –
a um grande poço de azares
que irresistivelmente
se nos está
a cantar aos gritos
fúlgidos de futuro:
"Isto ainda não é nada.
Procurem-nos bem, há mais."


- Pedro Salinas
in La voz a ti debida

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