domingo, julho 21, 2013


O teu corpo envolvente vestido de água
os teus braços em túnel que trazes desde a infância
o pelourinho azul que se ergueu na praça ampla
e fotografei dez vezes dez anos volvidos

Ficar depois energicamente deitado
até à descoberta da máquina de que só eu tenho o projecto
até que me rebentem os pulmões de tanto descanso
e os meus pés criem bichos multiformes e ganhem raízes
até a caridade e o crime serem de qualquer modo um arrojo impossível
até dizer a minha enorme e persistente capacidade de nojo
até me crescerem as barbas e com elas amarrar-me
à cama onde me encontro deitado
e ficar a arquitectar crimes e caridades
até tu vires lenta lavar-me os pés inchados e vermelhos de tanto descanso, de tanto não mexer uma ilusão
até tu vires ler-me as minhas ideias rascunhadas na minha outra Liberdade
contar-me as histórias da minha infância sem omitir um detalhe
recitar-me todos os meus poemas e todos os poemas do princípio do mundo
e descrever-me a nossa pesca à mão das trutas que navegam o Rio

Ficar energicamente deitado
até que os prédios cresçam e arranhem o céu fazendo cair dele gotas de sangue como chuva
até nos esquecermos totalmente dos que existem e para que existem enquanto nos envolvemos de sedas, de veludos e plantas aquáticas e assim terminarmos mais depressa de contar os nossos dias

E ASSIM PERDERMOS TUDO – perder-te a ti Infinita construída de estrelas, de nuvens, de oceanos, de pérolas esquecidas
construída de histórias de corsários loucos


Saber-te depois distante entre as pedras do meu sonho
saber-te RAINHA nas árvores da noite
MINHA em todas as histórias da minha infância
LOUCA nos olhos diabolicamente frios que me espreitam
no sonho do monstro que habitamos
saber-te ÁRVORE que sobressai nítida na inacreditável superfície
e estende os ramos em baloiço
e as raízes para o outro lado da superfície sem espessura
onde os homens andam ao invés de pés para o espaço
e cobrem-se de mares para dormirem nas montanhas

AMOR – nunca como agora o Amor foi tão significativo
tão único baluarte da realidade real
da negação negada, da perca total que procuro

Saber-te ASSIM até saberes isso completamente, tão completamente
como sabes ser uma estreia o ponto cintilante que criaste
como sabes ser a verdade a verdade que cegamente no nosso sonho

AMOR – no nosso sonho afirmaste
SABER-TE ASSIM ATÉ À ETERNIDADE LIBERTA NAS SOMBRAS

- António Maria Lisboa

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