terça-feira, julho 23, 2013

13.



Que grande véspera a do mundo!
Não havia nada feito.
Nem matéria, nem números,
nem astros, nem séculos, nada.
O carvão não era negro
nem a rosa era terna.
Nada era nada, ainda.
Que inocência crer
que foi o passado de outros
e noutro tempo, já
irrevogável, sempre!
Não, o passado era nosso:
não tinha sequer nome.
Podíamos chamá-lo
a nosso gosto: estrela,
colibri, teorema,
em vez de assim, "passado";
retirar-lhe o seu veneno.
Um grande vento soprava
na nossa direcção minas,
continentes, motores.
Minas de quê? Vazias.
Estavam a aguardar
o nosso primeiro desejo,
para em seguida serem
de cobre, de papoilas.
As cidades, os portos
flutuavam sobre o mundo,
sem sítio todavia:
esperavam que tu
lhes dissesses: "Aqui",
para lançar os barcos,
as máquinas, as festas.
Máquinas impacientes
do sem destino, ainda;
porque fariam a luz
se tu lhes ordenasses,
ou as noites de outono
se tu as quisesses.
Os verbos, indecisos,
fixavam-te os olhos
como cães fiéis,
trémulos. Teu mandato
ia definir-lhes já
os seus rumos, suas acções.
Subir? Estremecia a
sua energia ignorante.
Seria ir até o alto
"subir"? E até onde
seria "descer"?
Com mensagens aos antípodas,
a luzeiros, tua ordem
ia dar-lhes consciência
súbita do seu ser,
de voar ou arrastar-se.
O grande mundo vazio,
sem emprego, diante
de ti estava: seu impulso
dar-lho-ias tu.
E junto a ti, ausente,
por nascer, ansioso,
com os olhos fechados,
preparado já o corpo
para a dor e o beijo,
com o sangue no sítio,
eu, esperando
– ah, se não me olhasses –
que tu me quisesses
e me dissesses: "Já."

- Pedro Salinas
in La voz a ti debida

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