sábado, julho 20, 2013

10.


Ah!, quantas coisas perdidas
que não se perderam nunca.
Todas as guardavas tu.

Grãos miúdos de tempo,
que um dia o ar levou.
Alfabetos da espuma,
que um dia o mar levou.
Eu dava-os por perdidos.

E por perdidas as nuvens
que eu quis assujeitar
no céu
fixando nelas o olhar.
E as alegrias altas
do querer, e as angústias
de ainda querer tão pouco,
e as ânsias
de querer, querer-te, mais.
Tudo por perdido, tudo
no ter sido antes,
no não ser nunca, já.

E então vieste tu
do escuro, iluminada
de jovem e funda paciência,
ligeira, sem que pesasse
sobre a tua cintura fina,
sobre os teus ombros nus
o passado que trazias
tu, tão jovem, para mim.
Quando te olhei aos beijos
virgens que tu me deste,
os tempos e as espumas,
as nuvens e os amores
que perdi estavam salvos.
Se de mim se escaparam,
não foi para que morressem
no vazio.
Em ti continuavam vivos.
O que eu chamava esquecimento
eras tu.

- Pedro Salinas
in La voz a ti debida

Sem comentários: