Em 1971, Roland Barthes escreveu, para a
revista Tel Quel, um texto a que deu
o título: Escritores, Intelectuais,
Professores. Por si só, tal título mostra como os professores foram
entretanto deslocados e já não pertencem a esse mundo de outrora. Eles surgiam
então ao lado de outras duas respeitáveis classes (que, aliás, também já não têm
o mesmo estatuto), enquanto detentores de uma autoridade adquirida
automaticamente pela “parole professorale”. Essa modalidade de discurso,
herdeira da Retórica e dotada de uma autoridade moral conferida pelo saber, não
podia sobreviver às novas condições que retiraram o saber da esfera exclusiva
do cânone escolar e em que o professor, obrigado a responder a novos objectivos
da escola que já nada têm que ver com a sua missão original (objectivos cada
vez mais políticos: retardar a entrada dos jovens na vida activa, corrigir as
desigualdades sociais, substituir a educação parental, policiar os costumes,
etc.), teve que começar a enfrentar tarefas policiais, psico-sociais e de
animação. A fortuna de um actual ministro que chegou ao seu posto à custa da
denúncia do “eduquês” deve-se ao facto de, com esse chavão, ele apontar para um
desvio da escola em relação a essa missão original que, presume-se, ele achava
que podia e devia ser restaurada. Entretanto, em sentido contrário a uma tal
missão, os professores têm sido submetidos – sem tréguas e desde há muitos anos
– ao tratamento mais ignóbil a que uma classe profissional pode estar sujeita.
Se quisermos utilizar um termo genérico para designar o que lhes foi infligido
(para além das “sevícias” – da parte dos alunos, da parte dos pais – a que
ficaram expostos a partir do momento em que lhes foi retirado todo o domínio)
temos de falar de uma progressiva, sistemática e programada proletarização. Em
que é que ela consiste? Numa total perda de autonomia, até ao ponto em que a
actividade do professor deixou de ser uma actividade intelectual. A partir
desse momento, a autoridade do professor – que, aliás, para existir é
necessário que esteja integrada num sistema que a detenha – ficou completamente
arruinada. O sinal mais óbvio dessa proletarização – aquele onde ela é exibida
pela máquina governamental com uma clara intenção de humilhação – é o horário
de trabalho. Dantes, o trabalho do professor compreendia o tempo controlado (o
tempo lectivo) e o tempo autónomo, que ninguém conseguia avaliar exactamente a
quanto correspondia – dependia do treino, dos escrúpulos, da responsabilidade e
do sentido de missão do próprio professor. Daí, a ideia tão repetida de que os
professores gozam (gozavam) de um horário privilegiado. Agora, não só o tempo
de trabalho controlado aumentou bastante, como aquilo que deveria ser tido por
conta de trabalho autónomo perdeu esse estatuto porque o Ministério o passou a
contabilizar no horário oficial: trinta e cinco horas de trabalho na escola,
mais cinco horas de trabalho em casa. Quem alguma vez foi professor sabe bem
que essas cinco horas semanais estão longe de ser suficientes. Mas pior do que
fazer horas extraordinárias que não são pagas é sentir que até o pouco que
resta aos professores de tempo autónomo entra na contagem diabólica do tempo
controlado. O horário dos professores pode até não ter efectivamente aumentado.
Mas, em termos simbólicos, chegou-se à estação terminal que diz:
proletarização.
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