segunda-feira, junho 24, 2013


Já mal te reconheces nesta quimera que
recuperas desse sonho vazio. Mas doem-te
todos os ossos e, no sangue, um velho
eco bate-se ainda contra as superfícies
onde deflagra o anúncio cansado
de outra manhã. Uma luz pobre
tropeça pelo quarto no meio dessa
confusão alada em que lentas sombras
se recosem. Distenso sobre a mesa,
um mapa de anotações miúdas
e nervosas, uma hipótese de viagem
ou fuga, serve de farol entre a
penumbra que chama ruína à casa.
A caneta range num silêncio que tem
algo de póstumo
. A breve alegria que
riscas para dar lugar ao fino sentido
das coisas que mostram um talento
para te fazer esquecer. Venenos fiéis,
a suficiente ilusão e os mortais contornos
do desejo. Esse mundo a que te forças,
para que sais. A cidade começa só
depois que te percas, noite adiante,
no balanço dessa música ruaceira.
Buscas um atalho brutal que te entregue
aos magoados recantos onde se multiplica
essa raça híbrida de arcanjos e ralé,
vadios galantes e traficantes de fábulas,
mulheres suaves no embaraço
das esquinas. Brando e velho mundo
que te dá caminho e corda. Um sorriso
ameaçado nesse rosto cada vez mais vago,
esse teu doce mau aspecto
que se embala na intimidade suja
da luz dos candeeiros
. O corpo vai por aí
e desce aos lugares onde nos damos
caça, onde a beleza não quer
dizer nada e a juventude disse já as
últimas palavras. Os lábios, se há ainda
um gosto neles, o que te devolvem
é um sabor intenso a solidão.
E os melhores versos soltam-se já roucos
de dor e lembram apenas aquilo que
restou de longínquas canções
onde, por um momento, outro corpo
adiou a sombra exacta que, no chão,
ensaia a despedida do teu.
Sombras de um lume perdido ainda
brincam nas paredes. Mal feridos
reflexos bailam num espaço que se teme
a si próprio. A cada noite os sinais são
mais claros, e o relógio sórdido, sexual,
torna-nos pontuais neste frente-a-frente.
Esta fome simples é o que de melhor
temos a nosso favor. O provável
encontro, o gozo mais sem vergonha.
Levar depois altíssima a cabeça entre
a vertigem dos ombros, o cigarro ou esse
soluço obscuro de quem segue até ao
último astro. E ser dos poucos que dão
pela hora em que as ruas se desenraízam
e a terra parece soltar-se das amarras.
Como um navio maldito, a realidade
cede aos poucos à tua vontade e loucura.
Vais pelos caminhos onde crescem
as urtigas do luto
mas, quando dás por ti,
és um deus babado no meio da criação.

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