terça-feira, maio 14, 2013


A oitenta milhas de encontro ao vento de mastro o homem chega à cidade de Eufémia, onde se reúnem os mercadores de sete nações a cada solstício e equinócio. O navio que aproa com uma carga de gengibre e algodão voltará a zarpar com o porão cheio de pistáquios e sementes de papoila, e a caravana que acabou de descarregar sacos de noz moscada e de gengibre já atulha os seus fundos para o regresso com rolos de musselina dourada. Mas o que impele a subir rios e atravessar desertos para vir até aqui não é só a troca de mercadorias que se encontram sempre as mesmas em todos os bazares dentro e fora do império do Grão Kan, espalhadas aos nossos pés em cima das mesmas esteiras amarelas, as sombras dos mesmos mosquiteiros, oferecidas com os mesmos abaixamentos de preço enganosos. Não é só a vender e a comprar que se vem a Eufémia, mas também porque à noite junto das fogueiras à volta do mercado, sentados em sacas ou nos barris ou deitados sobre montes de tapetes, a cada palavra que alguém diz – como «lobo», «irmã», «tesouro escondido», «batalha», «sarna», «amantes» – os outros contam cada um a sua história de lobos, de irmãs, de tesouros, de sarna, de amantes, de batalhas. E sabemos que na longa viagem que nos espera, quando para ficarmos acordados com o balançar do camelo ou do junco nos pomos a repensar em todas as recordações uma a uma, o nosso lobo ter-se-á transformado noutro lobo, a nossa irmã numa irmã diferente, a nossa batalha noutras batalhas, no regresso de Eufémia, a cidade em que se trocam memórias a cada solstício e a cada equinócio.

- Italo Calvino
in As Cidades Invisíveis, Teorema

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