segunda-feira, abril 01, 2013

Intendente


a sombra maligna de praga projecta-se no quarteirão arte-nova do intendente, velhas prostitutas apodrecem num vão de escada, atravessaram o tempo estéril em que a história se fez quimera, ao ritmo a que o corpo abdicou da própria luz. as mais jovens estacionam à parte, com olhares que nos desarmam, questionando o horizonte breve: lixo, pedras sem serventia, o deus que talvez haja. à volta, em círculos concêntricos de solidão, as figuras dum mercado de levante numa chusma quotidiana, e mil turvos estímulos: líbido inflamada, cansaço, rotina, nas falsas proporções em que o real nos visita. entro num armazém cheirando a bafio, com manchas de bolor nas paredes, cheio de papéis arrecadados aos montes, lotes condenados à transformação da matéria. sob os nossos pés, os mortos memoram a luz, em vagas palpitações de fósforo que incendeiam o mato rasteiro das memórias que a eles nos unem, por entre as pedras que sobraram do terramoto.

- António Ferreira
 Por Negras Veredas, na Luz dos Caminhos , Quasi

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