domingo, abril 28, 2013


(ich bin eine Wasserstunde)

Fear death by water

The Waste Land - T. S. Eliot


Esquece os devaneios do príncipe. Por um momento,
vamos falar de campas, de vermes e de epitáfios.
Vamos falar sobre como entrámos no terraço
depois de um século em abandono
e sobre como estas estações são um só lamento.
Vamos contar a história de homens perseguidos pelas silhuetas
dos espectros que depuseram, uns adulterados, outros degolados,
todos detentores de pouco mais que barro e morte.
Vamos reconhecer que dentro do corpo oco
que nos cinge tem a loucura a sua corte,
como uma delicada mão que cava no fundo do céu
o nosso apetite do instante.
Palavras de outono sem versos, duas vezes mortos
e arrancados pela raiz, como os nossos olhos
que da sua altura se desmoronam.

A indiferença tornou-se cliente de taberna
onde dois Judas, tantas vezes piores que Judas,
planeiam diligentemente a nossa fortuna,
como se não acreditassem que só os vermes
hão-de provar as suas tão fracas qualidades.

É este o nosso tempo, em que unhas frágeis
logram rasgar atalhos nas palavras
e assim nos deixamos perder em qualquer hora,
praticando os excessos desta brutalidade quadrúpede
que concede, acima de tudo, uma morte pela água.

Esta língua é um lugar perfeito e, por isso,
inóspito. É como um cemitério,
há séculos que andamos a caminhar descalços sobre corpos.

- David Teles Pereira
in Lobos, Língua Morta

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