A noite desceu sobre o canal
em Haarlem. No cais de além
o navio apodrece, cor de ferro
sob o carvão da noite. O vento
faz ranger o cordame que resta
e o mastro inclina-se de um a
outro lado da escuridão. De onde
veio, aonde foi, qual a derradeira
viagem, em que mar se perdeu,
que tempestade lhe quebrou a
vela maior e a vontade de regressar
ao iluminado azul
relâmpago do oceano tenebroso?
Onde abandonou os marinheiros
e o seu capitão? A noite
ficou imensa sobre o canal em
Haarlem. Degredado, o
navio apodrece. Uma lâmpada de
algas desenha-lhe rotas antigas —
Índia, Sumatra, Brasil — desertas e
mudas. Uma chapa de ferro bate
noite dentro, desejo suicida
contra a pedra do cais.
- João Miguel Fernandes Jorge
in O Próximo Outono, Relógio D'Água
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