Pergunto-me às vezes se a noite
se fecha ao mundo para se abrir ou se algo
a abre tão subitamente que nós
não alcançamos a sua alba, alba rasante
que não desaparece porque ninguém
a criou: nem a luz, nem o claro sol.
Nem mesmo a minha tristeza chega a vê-la
tal como é, permanecendo entre os astros
quando neles o dia é manifesto
e não deixa transparecer que na noite há campos
de um intenso amanhecer aprisionado
não no embrião, em luz plena, em alvos pássaros.
Algum vôo irá queimando o ar,
não pela sua ardência mas pela distância.
Alguma limpidez de estrela a brunir
os pinheiros, enfim dará lustro ao meu corpo.
Que posso fazer senão continuar a jogar
a vida a mil lances do espaço?
A questão é que na noite há sempre um
fogo oculto, um resplendor aéreo, um dia vão
para os nossos sentidos, que gravitam
até aos cumes e não ouvem nem olham para baixo.
Como a calma serve de elmo para o rio
assim a dor é uma brisa para o álamo.
Assim eu vou sentindo que as sombras
abrem a sua luz, abrem-na, abrem-na tanto
que a manhã surge sem princípio
nem fim, eterna já desde o ocaso.
- Claudio Rodríguez
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