Dizias ter nascido em 1685 e só irias morrer no fim do mundo
os amigos podiam tratar-te por Bach e ofereci-te uma garrafa de vintage.
Demoraste mais do que a tua eternidade a cheirar o vinho
o teu rosto ficou um quarteto de cordas na Arte da Fuga,
a beleza complexa do Douro é superior a Kant, disseste.
Dois homens indefesos diante de uma garrafa de vinho
era a exacta medida da existência,
e quem nos visse compreenderia perfeitamente a morte.
Porque era urgente viver, partimos.
Quanto mais se deixava a garrafa para trás
mais o silêncio nos ditava o sentido da irrepetibilidade
de todo e qualquer gesto.
Com o carro parado no trânsito,
nuca contra nuca, olhávamos a chuva pelas janelas
como se ela fosse superior a Bach,
completamente vencidos por um vinho.
- Paulo José Miranda
in A Arma do Rosto, Cotovia
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