sábado, maio 12, 2012

-
Por mais consequente, por mais previsível que seja nos meios literários e artísticos a forma revoltante como a intelligentsia francesa tratou Céline, é do mais desolador a que eu assisti. Tenho Céline por um genial inventor, um poeta de grande amplitude (mas bastante mal o define, este termo «poeta», tão deslustrado), aos meus olhos não só o mais importante do nosso tempo, mas dos vários séculos que formam os tempos modernos, uma das maiores charneiras da arte de escrever. Que isto não tenha sido imediatamente visível aos intelectuais contemporâneos, pelo menos de maneira a impor silêncio aos seus sentimentos e às suas maldosas chicanas, que tenham feito um bloco de tão perfeito concerto para denegrir esta criação monumental e transportá-la para um miserável terreno de política, é fenómeno pouco credível. Para se ter dado em tamanha escala, é preciso que em todos os espíritos a escrita esteja hoje bem desviada do seu estatuto original, bem esquecido o que podemos esperar dela, o que devemos esperar dela. É preciso estar bem escondida a natureza própria da arte e das suas nobres danças, terem baixado muito as temperaturas a que o espírito se aquece, que o gosto pelo pensamento analítico e discursivo (esse logro) tenha ultrapassado muito o que se tem pelas incandescências da criação poética, que já só se peçam à literatura raciocínios sobre temas tão primários, tão chatos, tão ociosos como debater sociologia e civismo. É realmente espantoso verificar que os nossos poetas – e também os que apregoam posições pretensamente isentas dos lugares-comuns éticos – façam um coro tão soberbo com as mais estafadas e tolas cançonetas da sociologia e do patriotismo. Voltamos aos velhos tempos das guerras religiosas.

- Jean Dubuffet
(tradução de Alberto Nunes Sampaio)

Sem comentários: