quarta-feira, abril 04, 2012

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Deixo-vos um peixe preso em fios de ferrugem
e a sórdida humidade deste chão.
Como a ira de deus será lembrada alguma coisa
no aterro, pela tinta gasta em papéis
da vala sépia, cinza d’água onde estremece a vossa luz

Deixo-vos a cara colada ao tampo,
à lâmpada perdida sobre o vidro que foi alvo
dos seus olhos, ao passo tolhido, à sala turva

Percam-se nos limos, de assentada. Nos pontões
donde se abarca a cerração, a chuva é uma porta
menos certa, de regresso ― à volta dos cedros
que hoje entraram numa sombra, pelo tanque

Com as tábuas molhadas por estas lâminas
de leite, deixo-vos enfim ― imóvel, a nuca,
esquecida marca d’água no epitélio da pele

- Luis Manuel Gaspar
«Aguaçais» (1991-92)
in Pandora, Averno

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