A Afonso Duarte
Na quermesse da miséria,
fiz tudo o que não devia:
se os outros se riam, ficava séria;
se ficavam sérios, me ria.
(Talvez o mundo nascesse certo;
mas depois ficou errado.
Nem longe nem perto
se encontra o culpado!)
De tanto querer ser boa,
misturei o céu com a terra,
e por uma coisa à-toa
levei meus anjos à guerra.
Aos mudos de nascimento
fui perguntar minha sorte.
E dei minha vida, momento a momento,
por coisas da morte.
Pus caleidoscópios de estrelas
entre cegos de ambas as vistas.
Geometrias imprevistas,
quem se inclinou para vê-las?
(Talvez o mundo nascesse certo;
mas evadiu-se o culpado.
Deixo meu coração – aberto –
à porta do céu – fechado.)
- Cecília Meireles
in Antologia Poética, Relógio d'Água
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