árvores cresce o cipó, meu filho,
ou se engordares no charco, como lodosa planta,
olha o azul do céu
que o mais não tem a mínima importância.
Águia ou chacal serás. O mundo
tudo comporta e o Sol não discrimina
entre alcantis e pântanos.
Cometerás os pecados mais torpes
e eu te absolverei. Nada compromete
ou dignifica a vida. A verdade e a virtude
agonizam na mesma solidão do ataúde
onde os vermes e os ratos
não mais têm importância.
Estarás com Cristo, sem Cristo ou contra Cristo
e te importunarás num mundo desolado
e assaltado
pelos lobos do bem, pelas pombas do mal,
os cordeiros da guerra, os tigres da bonança.
Hás de amar alguém que um dia trairá
a tua confiança.
Poderás vingar-te na mulher do teu irmão,
na tua própria irmã. Cometerás ainda
outros incestos sem nenhuma importância.
Se fores ausente a tudo – e isto nada importa –
e for o teu Sol brilhante, logo atrás
desse brilho acharás tua face morta
e a nada mais darás
a menor importância.
Mas se participares, sofreres, morreres
maldizendo a vida que foi a tua única herança
e teu pai e tua mãe e o mundo que, um dia,
te aborreceu do fórceps à última agonia
na hora derradeira saberás ainda
que isso tudo não teve a mínima importância.
- Domingos Carvalho da Silva
in Antologia da Moderna Poesia Brasileira, Orfeu
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