segunda-feira, janeiro 09, 2012

Josep M. Rodríguez (algumas traduções de "Raíz")

O farol
Conto popular argentino
Cada mañana había que limpiar la linterna
de pájaros muertos.

Azorín

Deserto adentro,
Construir um farol.
Há algo que salvar em todas as partes.

Não deixes que me esqueça,
por favor.
Ânsia de escuridão torna-se caverna,

isolamento.

Graças a ti,
acedo ao exterior,
desenho um rumo.

Assim amanheço luz de entre as minhas sombras:
Pouco importa se há pássaros mortos.



Postal de inverno

Às vezes regressar é uma escusa.
acaricio-te,
a pele tem memória

e luz um piercing:
Lua cheia.



Mais além

Mais além,
o bosque é um biombo:
Não consigo ver o que oculta.

O vento assobia o nome das árvores.
Ouve-se um comboio a passar.
Reconheço-me
na peça que une dois vagões.

E sempre é o maior o da morte.



Atentado

The silence is death
Anne Sexton


Apago as imagens
e o silêncio
derrama-se sobre a casa como um escuro
líquido.

O vento enredou-se nas janelas.
Olho através dele,
procuro uma trégua
no beijo da neve que ainda resta nas montanhas

ou nessa borboleta
que brinca com as plantas da varanda.

Os meus olhos são as suas asas:
pestanejo,
mas não esqueço aquilo que se quebrou.

(numa mão tenho o coração,
o seu tacto de peixe morto.)

Volto à televisão
e a esse silêncio
que se torna humidade nas paredes.

Outra vez ser raiz, outra vez sombra.  



Ao inverso

Quando te oiço pronunciar o meu nome,
o futuro
é como uma serpente na televisão:

Não me assusta.



As nuvens
Segunda versão

La puerta es la que elije, no el hombre
Jorge Luis Borges


Boceja a manhã,
e por entre o sarro de algumas nuvens sujas
brilha o sol
como um dente de ouro.

Tudo nasce da contemplação,
até a memória.

Isso quis dizer,
que no olhar começam os nossos limites
e a nossa forma de entender o mundo.

Penso em Borges:
Não é abrir os olhos,
é ser aberto.



O charco
(Rainer M. Rilke)

Regressar a este recanto da memória
não me deixa mais feliz.

Continua tudo no seu sítio.
As árvores, o charco, os insectos.

Se o tempo ondula,
como escreveu Deleuze,
o mesmo deve suceder com a emoção.

Nem tudo me emociona:
A água do charco é apenas água,
o musgo,
apenas musgo,
e este poema
não é mais que o córtice daquilo que está a acontecer.

Aprofunda.
Repara nos patos:
parece que nadar lhes é fácil.

e algo bem diferente debaixo de água.

Ondulação:
Viver a vida em círculos crescentes
que nasçam e se estendam a partir de mim.

A emoção precisa de um processo.
Não esqueças os anéis das árvores.
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