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Resolvemos destruir distâncias entre.
Já me falais sem sopro se eu vos ouço,
somos mudos futuros e presentes.
E se o passado fala é que o passado
era a voz predizendo, pregustando
o pranto deglutido com as palavras.
Mas não sejamos trágicos nos tédios,
gozemos esse som sempre monótono,
essas florestas todas, esses rios
com esses mesmos espelhos fatigados,
e durmamos o sono refletido
dessas coisas sonhadas e mentidas.
Encantos diurnos, sombras projetadas
dos ossos sobre as carnes flageladas,
dos olhos entre os cílios ensombrados,
da luz inexistente, onde a cegueira
enxerga a flor com os dedos, ou com as ventas,
e o mar é apenas o murmúrio da água.
E não sejamos cegos, nós videntes,
noturnos enxergados, antevistos
por olhares tão rentes que parecem
a treva nos fitando, fria treva
que nos fixa com os olhos e com o sono,
que nos faz móveis, nós os seres hirtos.
E, não sejamos fúnebres e espessos,
sejamos gaios, todavia leves,
as mãos unidas sobre ramilhetes,
sem tanger moscas, ceras ogivais,
parados cogumelos em que houve óleos
de perpétuas unções e extremas preces.
Nesse poema informe e sem balizas
recria-se uma ilha repetida
com seu tomo de pedra adormecido.
Seu rochedo de sono é tão fechado
que ele vale na vida como um fado,
sete cordas caladas em seu gole.
- Jorge de Lima
in Invenção de Orfeu (excerto do Canto VIII), Record
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