A aristocracia intelectual, como se disse no início deste texto, não é específica de um grupo, pelo contrário, faz parte do nosso não sermos subsumíveis enquanto parte de um grupo, no limite universal, como pretendia o humanismo, que, como se sabe, construía com base nisso diversos sistemas de exclusão. O facto de cooperarmos e nos reunirmos só se torna possível a partir de uma tal impossibilidade de subsunção num grupo, mesmo definido como o dos melhores, pois o homem, humano-desumano, é incomparável.
Fazer de cada um uma parcela dirigível segundo as leis da economia tende a ser o programa daquilo a que hoje se chama democracia e passa pelas estratégias estatais de apropriação da arte através de mecanismos reguladores que procuram destiná-la ao que chamam recepção e que é o seu enquadramento aceitável, aquele que a retira de uma deriva improdutiva, e rasura o seu excesso através da indeferenciação do seu modo de existência e dos produtos das indústrias da cultura. Tendo as grandes questões a respeito destas sido colocadas por Adorno, é hoje bem visível que aquilo que as instituições da cultura apresentam como tal é o resultado de uma homogeneização sob a etiqueta da produção, que tende a apresentar o mundo como soma do inerte e acumulável, fazendo da cultura um horizonte mortífero. Lautréamont previu esta catástrofe da cultura que se fez mercadoria, contra a qual declarou: A poesia deve ser feita por todos. Para que o mundo continue como permanente e invisível transformação é preciso que a poesia (a arte) seja "feita", que os esquemas perceptivos não fixem a vida em definitivo. Mas a poesia só é feita se for feita por todos, se não for determinada por uma especialização pensada em termos técnicos e económicos que levam ao extremo a divisão do trabalho: de um lado os ditos agentes artísticos ou culturais (criadores, comissários, críticos, professores, etc., etc., mas também e cada vez mais trabalhadores da indústria de entretenimento e um conjunto de trabalhadores dos média cuja função é já a do puro marketing), do outro lado as ditas "massas" consumidoras. Com o desenvolvimento da técnica, esta designação corresponde a uma maioria preparada para interagir e repetir, não percebendo que está a ser comandada para isso e que a sua "participação" programada é uma forma de alienação.
- Silvina Rodrigues Lopesin Persistência da Obra - Arte e Política, Assírio & Alvim
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