XVII
Heraclito sublinha a aliança exaltante dos contrários. Vê nelas em primeiro lugar a condição perfeita e o motor indispensável à produção da harmonia. Já aconteceu, em poesia, surgir no momento da fusão desses contrários um impacto sem origem definida cuja acção dissolvente e solitária provoca o deslizar de abismos que conduzem o poema de um modo bastante anti-físico. Cabe ao poeta cercear esse perigo, fazendo intervir um elemento que seja tradicional, de razão comprovada, ou o fogo de uma demiurgia tão miraculosa que anule o trajecto da causa ao efeito. O poeta pode então ver os contrários - essas miragens pontuais e tumultuosas - completar-se, a sua linhagem imanente personificar-se, pois, como se sabe, poesia e verdade são sinónimos.
- René Char
(tradução Margarida Vale de Gato)
in Furor e Mistério, Relógio d'Água
domingo, setembro 18, 2011
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poesia de fora
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