domingo, setembro 25, 2011

José Emilio Pacheco

TERRA

A abismal Terra é
a soma dos mortos.
Carne unânime
das gerações consumidas.

Pisamos ossos,
sangue seco, restos,
invisíveis feridas.

O pó
que nos mancha a cara
é o vestígio
de um insaciável crime.



CONTRA A KODAK

Coisa terrível a fotografia.
Pensar que nesses objectos quadrangulares
jaz um instante de 1959.
Rostos que não são já,
ar que já não existe.
Porque o tempo se vinga
de quem rompe a ordem natural detendo-o,
as fotos fendem-se, amarelecem.
Não são a música do passado:
são o estrondo
das ruínas internas que desabam.
Não são o verso mas o rangido
da nossa irremediável cacofonia.



ANTIGOS COMPANHEIROS REÚNEM-SE

Já somos tudo aquilo
contra que lutámos aos vinte anos.



VIDAS DOS POETAS

Na poesia não há final feliz.
Os poetas acabam
vivendo a sua loucura.
E são esquartejados como gado
(aconteceu a Darío).
Ou bem que os apedrejam e terminam
atirando-se ao mar ou com cristais
de cianeto na boa.
Ou mortos de alcoolismo, viciados em droga, miséria.
Ou o que é pior: poetas oficiais,
amargos povoadores de um sarcófago
chamado Obras Completas.



OUTRO

Entrará com sangue o eme de morte
naqueles marcados a fogo,
não para o Dia do Juízo Final
mas para os fuzilamentos em massa,
a Limpeza Étnica, o campo de extermínio,
a Solução Final que de uma vez por todas resolva
o problema do Outro.


in En resumidas contas (Antologia), Visor

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