segunda-feira, setembro 19, 2011

defesa dos lobos contra os cordeiros

querem que o abutre devore malmequeres?
que pretendem do chacal,
que se esfole, e do lobo? que
arranque os dentes?
o que detestam
nos politruks e nos papas,
porque olham como carneiros malmortos
para o televisor mentiroso?

quem cose então ao general
a tira de sangue nas calças? quem
trincha o capão diante do usurário?
quem se enfeita orgulhosamente com a cruz de lata
em cima do umbigo faminto? quem
aceita a gorjeta, a moeda de judas,
o óbolo do silêncio? muitos
são os roubados, poucos os ladrões; quem
contudo os aplaude, quem
põe as insígnias, quem
é sedento de mentira?

vejam-se no espelho: cobardes,
evitando a fadiga da verdade,
avessos ao aprender, ao pensar,
responsabilizando os lobos,
o anel no nariz é a vossa jóia mais cara,
nenhuma ilusão demasiado estúpida, nenhuma consolação
demasiado barata, toda a chantagem
é para vocês branda demais.

carneiros, são irmãs,
comparadas convosco, as gralhas:
cegam-se uns aos outros.
a fraternidade reina
entre os lobos:
movem-se em alcateias.

louvados sejam os ladrões: vocês,
e vossos convites à violação,
deitam-se no leito indolente
da obediência. mesmo choramingando
mentem. despedaçados
desejam ser. vocês
não mudam o mundo.

- Hans Magnus Enzensberger
(tradução de Almeida Faria)
in Poemas Políticos, Dom Quixote

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