terça-feira, julho 05, 2011

Operário da palavra

Trabalhou toda a vida duramente, sem pretextos,
com ardor, com exaltação, quase com fé na imortalidade
e sem dúvida na sua imortalidade. Até que uma noite
de súbito soprou o vento. Soou sozinha a porta.
Via as estátuas cair de boca para baixo. Deu-se conta.
As palavras que tinham escrito assim calorosas, anos e anos,
petrificaram; sentiu-as sob os dedos
como a seca e neutral pele de um animal morto.

No dia seguinte, no entanto, prosseguiu regularmente o seu trabalho
e chegou a confundir imortalidade com mortalidade,
trabalho, embriaguez e esquecimento,
mas distinguiu com exactidão o que é o trabalho
do que é vaidade e orgulho. E o toque
do relógio tinha o som de um tambor dentro da noite
dando ritmo à marcha de sonolentos soldados
entre duas batalhas.

- Iannos Ritsos
(tradução de Amadeu Baptista)

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